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08/06/2014

Lei da Palmada: Entrevista do psicólogo Antônio José Ângelo Motti ao Correio do Estado

 CORREIO PERGUNTA - A Lei da Palmada, agora, é uma realidade. O que o senhor pensa sobre esta proibição de castigos físicos, como beliscões e palmadas, para “corrigir” os filhos?
ÂNGELO MOTTI - Esta é uma situação em que o Estado, por meio da legislação, teve que intervir para que tivéssemos uma mudança em nossos hábitos, usos e costumes. A nossa tradição é ambivalente, é repleta de costumes que protegem direitos e também repleta de costumes que violam direitos, de pessoas em geral. Mas no caso da criança, o Estado brasileiro, a partir da nova Constituição, já tinha escolhido um caminho de que a criança deveria ser protegida de qualquer forma de violência. E quando ele escolheu este caminho, de certa forma anunciava para nós, brasilerios, que não seria mais tolerado, a partir dali, nenhum tipo de violência contra a criança - fosse a negligência, fosse a omissão, fosse uma agressão fisica ou psicológica. E a partir da Constituição foi estabelecido o Estatuto da Criança, que também, de certa forma, ratificou esta intenção, em seu artigo quinto, quando ele fala que nenhuma criança será objeto de qualquer tipo de violência. Mas ele não especificou as violências. Ele categorizou algumas violências, ele colocou a violência física, a sexual, mas ele não disse sobre comportamentos. E as nossas tradições continuaram trazendo para o cotidiano das famílias antigos modos de se cuidar e criar filhos e que incluía o uso do castigo corporal. Como a lei geral, tanto o Estatuto da Criança como a Constituição não conseguiram alterar a realidade, porque a população não se focalizou nestes aspectos específicos, então, foi necessário que o Estado determinasse que tipo de violência ele estava dizendo quando anunciou no artigo 227 da Constituição e no artigo 5º do Estatuto a proibição a qualquer tipo de violência. Ele teve que discriminar, detalhar como é que deve ser feita a proteção à criança, a proteção nos aspectos físicos e psicológicos, sociais. Então, é uma lei que busca muito mais intervir, de fato, nos nossos costumes e implantar uma nova tradição, do que uma invasão do Estado a uma competência que seria da família.
Então, é tão maléfico assim dar umas palmadas ou beliscões nos filhos? 
Nenhum tipo de atitude que emprega força física, numa relação de desigualdade, é benéfica. Esta relação sempre será desigual porque existe uma desigualdade física, de compleição física, de tamanho, de envergadura, de capacidade física. Ela sempre será autoritária, vai ser impositiva e jamais a vítima vai assimilar com naturalidade e de maneira saudável a coeerção física. Então, parece que a palmada é banal, mas não é. A palmada é banal para quem dá, mas, para quem recebe, jamais será banal. Porque, além da dor que ela pode ou não provocar, existe o aspecto psicológico da palmada, que é a decepção, a frustração da criança, o medo, o sentimento de opressão da criança, o sentimento de destrato, a decepção mesmo. Porque a criança sempre espera do adulto a orientação, a segurança. E ninguém orienta ou dá segurança à criança com agressão física, por mais branda que seja.
Haverá alguma maneira de distinguir uma “palmada educativa” de uma real agressão à criança? Você acha que é possível fiscalizar esse tipo de situação? 
Fiscalizar talvez não seja tão fácil diante de uma tradição de não se denunciar, diante de uma tradição de não se envolver com a vida dos outros. Então, vai depender muito de como a população vai reagir aos ditames da lei. Pela nossa legislação atual, qualquer pessoa que se omite de denucniar violências praticadas contra a criança, é tão culpada quanto aquele que promove a agressão. O artigo 5º do ECA fala que deve ser punido na forma da lei qualquer atentato aos direitos fundamentais da criança por ação ou omissão. Então, quem se omite pode ser responsabilidzado perante a lei. Mas a nossa tradição é a de que a gente não deve se envolver com a vida dos outros, não deve se intrometer na vida das familias. Como esta tradição é muito forte, é posssível que nós tenhamos um prejuízo no processo de fiscalização da denúncia dos processos de agressão física. Na verdade, não tem como discriminar a palmada de uma agressão física mais forte. Desde que você usou a coerção, o uso da força física no processo educativo, você contrariou a suas obrigações legais no processo educativo. Então, logicamente que o prejuízo deve ser levado em conta quando um processo desta natureza vai à justiça. Certamente que o operador de justiça vai levar em conta o tipo de prejuízo causado à criança e isso vai determinar a medida judicial a ser tomada. O fato é que com esta lei é que se pretende dar um basta na tradição do uso da força física de qualquer natureza no processo educativo.
Alguns pais acreditam que é melhor dar palmada nos filhos para discipliná-los antes que “apanhem” da vida ou até mesmo, literalmente, da polícia. Uma criança que não é disciplinada a palmadas terá menor capacidade de lidar com as adversidades da vida, no futuro? 
Não existe nenhuma comprovação científica de que aqueles que tiveram palmadas no processo educativo são melhor sucedidos. Existe uma lenda entre nós de que como a nossa tradição incluía o uso da força e da palmada, da correção física no processo educativo, as pessoas bem sucedidas sempre tiveram no processo educativo o uso destes recursos. Mas não existe nenhuma comprovação científica de que isso é eficaz de fato. O que se tem de comprovação científica é de que quando uma criança é respeitada, é bem cuidada e orientada, as dificuldades diante da vida são muito menores para elas. Crianças oprimidas, ou que são criadas com a violência física ou uso da força física têm extrema dependência do adulto. E como ela desenvolve o sentimento de ambivalência - porque o adulto que protege é o adulto que agride - ela tem a tendência de reproduzir a agressão sofrida. Então, uma pessoa que foi educada com o excesso ou com o permanente uso da força física e de castigos físicos, este é o modelo que ela vai reproduzir, porque ela não tem outro modelo. A palmada não ajuda a pessoa a enfrentar nada, ao contrário, ela é uma pílula diária ou cotidiana ao processo de dependência da criança.
Se palmada e puxão de orelha não são válidos como últimas atitudes dos pais para a criança obedecê-los, o que eles podem fazer? 
O caminho da educação é a informação. Não existe educação sem informação. Cabe aos pais - e isso já está estabelecido na lei há muito tempo e em nossa própria tradição - que o primeiro processo de educação se dê na convivência com a família, com os pais ou responsáveis. Então, cabe a eles oferecer às crianças o maior nível de informação possível e respeitando a sua capacidade de compreensão destas informações. De acordo com a sua idade e sua capacidade de compreensão. Para a criança agir com segurança, ela precisa de informação segura, informação adequada e isso exige de nós todos o rompimento com o senso comum. Eu não posso criar o meu filho dentro do senso comum. Eu tenho que criar o meu filho dentro de uma ética que exigem as novas gerações, dentro dos desafios que os dias atuais exigem. Porque os filhos não recebem só informações dos pais. Eles começam desde cedo a receber informações da mídia; tão cedo eles acessam a televisão, eles começam a receber uma série de informações, conteúdo, valores que vão influenciar em suas atitudes, queiramos ou não.
Muitos pais se perguntam por que não deveriam bater em seus filhos, se eles mesmos apanharam durante a infância e cresceram sem traumas. Você acha que esse argumento é válido? 
Ele não é um trauma superado, porque se a gente tem que falar que apanhou e não sofreu nenhum trauma, é porque existe um incômodo. Na maioria das vezes a gente ouve das pessoas que apanharam na infância, que elas apanharam na infância e que elas contem sobre algumas de suas surras. É um engano grande a gente achar que não teve nehuma repercussão. Teve. Mas a gente se educou pelo medo, não se educou pelo conhecimento. Não existe educação pelo medo. O medo deseduca. Só a informação e a orientação educam, só o exemplo de atitude é que educa. E a base de tudo isso é o ambiente afetivo, onde se estabelece a relação.
A proposta estabelece que pais e responsáveis que maltratarem seus filhos crianças e adolescentes serão advertidos e terão que participar do Programa de Proteção à Família, que oferece cursos e tratamento psicológico ou psiquiátrico. A pessoa vítima do castigo vai receber tratamento especializado. Como o senhor acha que isso pode ser viabilizado?
Hoje nós já temos um caminho para isso. Quando o Governo Federal implantou o Programa Sentinela, estabeleceu um Centro de Referência Especializado no campo da assistência e da saúde, ampliando os centros de atendimento psicossocial, os chamados CAPs, focalizando nas questões relativas à violência contra a criança através do CAPs I , que em Campo Grande até dezembro, contava, de maneira inédita a nível nacional, de um CAPs pós trauma que era justamente para fazer este processo de tratamento e orientação das famílias. Mas ele foi, infelizmente, fechado. Mas Campo Grande, neste aspecto, tinha um diferencial dentro do sistema público de atendimento à saúde, que era uma unidade que fazia o tratamento de crianças vítimas de violência, num processo de recuperação psicossocial. Esta é uma questão que certamente vai demandar, para o conjunto das políticas públicas, um processo de organização, mas já existe um embrião para isso, pela existência dos Creas, que é um Centro de Referência de Assistência Social especializado e pela existência dos Caps I. O que se deve buscar, necessariamente, é o tratamento da família, porque você não altera o ambiente de violência da criança se você não alterar a atitude da família.


Antônio José Ângelo Motti
Natural de Campo Grande, especialista em Piscologia Social e Psicologia vinculada às questões de violência. Entrou na área, desde 1983, por meio da extinta Funabem . Chegou à gerência do CBIA (Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência), sucessor da Funabem. Trabalhou na UFMS. É criador de um programa de extensão ligado à área de Direitos da Criança (1997), o Programa Escola de Conselhos, com apoio federal. No Ministério de Desenvolvimento Social implantou o Programa Sentinela, a primeria ação do Governo federal de atendimento à criança vítima de violência; coordenador do Programa Escola de Conselhos.



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