Sobre a proposta inconstitucional de revisão da legislação aplicável a adolescentes acusados da prática de ato infracional
Sobre a opinião veiculada no Jornal O Globo do dia 22/09/2014,
sob o título “Fora da realidade/tema em discussão: limite de idade para
imputação criminal” – o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente do
Estado do Rio de Janeiro, órgão deliberativo e controlador das políticas
públicas na área da criança e do adolescente, vem se manifestar nos termos
seguintes:
Inicialmente, precisamos cumprir o princípio
constitucional e legal da prioridade absoluta no atendimento aos direitos
fundamentais de crianças e adolescentes, ainda vítimas de violência,
negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão, muito mais do que
autores de ato infracional, conforme é possível constatar dos dados
disponíveis, como mapa da violência e Dossiê Criança 2012, este último
elaborado pelo Instituto de Segurança Pública, onde é demonstrado que no Estado
do Rio de Janeiro 88,5% dos registros de ocorrência policial do ano de 2011
referiram-se a crianças e adolescentes como vítimas de crime e em 11,5% eram
relativos a atos infracionais praticados por adolescentes .
É preciso reiterar que o Estatuto da Criança e do
Adolescente prevê um sistema de responsabilização de adolescentes acusados da
prática de ato infracional, não havendo assim impunidade, mas um sistema
diferente do adulto tendo em vista o princípio constitucional da condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento (artigo 227, § 3°, V, da Constituição da
República).
Vê-se que o sistema penitenciário e, mais
especificamente, o sistema de aplicação de medida sócioeducativa, não cumpre
com as determinações legais, sendo os Estados da Federação grandes violadores
de direitos e garantias individuais.
De um lado, Constituição da República garantidora de
direitos, de outro Estado e demais órgãos públicos violadores e impunes, no que
diz respeito à esfera interna.
Precisamos fazer valer os direitos assegurados com
prioridade absoluta a crianças e adolescentes, implementando a Lei 8069/90, que
dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não se trata de “legislação esquizofrênica no que diz
respeito à responsabilidade penal de jovens”, mas de um sistema próprio de
responsabilização previsto na Lei 8069/90, não se devendo confundir
inimputabilidade penal, ocorrida aos 18 anos, com impunidade, posto que
previsto na referida lei a aplicação de medidas desde os 12 anos de idade.
Também não se questiona a “plena consciência dos atos
ilegais que praticam” porque o critério é idade biológica, cabendo lembrar que
o critério do discernimento era previsto pelo Código Penal de 1830 no período
dos 7 aos 14 anos de idade.
É a Constituição da República em seu artigo 228 que
estabelece: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos à
norma da legislação especial”, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente
que estabelece um sistema de responsabilização pela prática de ato infracional
(análogo a crime).
Entendemos que a inimputabilidade penal antes dos
dezoito anos é cláusula pétrea, de acordo com o artigo 60, § 4°, IV, da
Constituição de 88.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não oferece
salvo-conduto para prática de ato infracional, prevendo medidas que vão da
privação da liberdade, como a internação, até a advertência, dependendo da
gravidade do ato praticado pelo adolescente.
Se o próprio editorial reconhece a incapacidade de
recuperação dos adolescentes nas unidades destinadas ao cumprimento de medidas
privativas de liberdade, será que o sistema penitenciário, numa situação ainda
mais degradante, poderia servir para ressocialização dos adolescentes, com
todas as mazelas conhecidas pela sociedade e pelos atores do Sistema de
Garantia de Direitos?
Reiteramos que o que precisamos não é redução da idade
de imputabilidade penal, mas respeito aos direitos de crianças e adolescentes,
com a responsabilização nos casos previstos em lei.