NOTA PÚBLICA DO CEDCA ACERCA DOS HOMICÍDIOS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E AS NECESSÁRIAS
PROVIDÊNCIAS PARA PRESERVAR A VIDA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Conselho Estadual de
Defesa da Criança e do Adolescente, através da deliberação 63, de agosto de
2018, criou Grupo de Trabalho para elaborar o plano estadual de prevenção e
enfrentamento aos homicídios de crianças e adolescentes no Estado do Rio de
Janeiro, diante da situação grave de aumento de homicídios de crianças e adolescentes
nos últimos anos, e que teve atenção especial do Dossiê Criança 2018.
Em 2017 foi criado comitê de
enfrentamento aos homicídios de adolescentes no Estado, por iniciativa da ALERJ
e UNICEF, composto por 22 participantes, dentre eles Defensoria Pública,
Ministério Público, Tribunal de Justiça, secretarias de Estado, além de
organizações da sociedade civil.
Conforme dados do Instituto de
Segurança Pública/RJ, foram 174 homicídios de crianças e adolescentes
decorrentes de intervenção policial em 2017, 115 em 2018 e 121 em 2019.
Apesar da situação de pandemia e
decisão do STF proibindo operações policiais sem obedecer a protocolos,
conforme ADPF nº 635, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro
– PSB e admitidos como amici curiae Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro, Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes –
Educafro, Justiça Global, Associação Direito Humanos em Rede – Connectas
Direitos Humanos, Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Instituto de
Estudos da Religião – ISER e Movimento Negro Unificado – MNU, seguem as
operações policiais.
No dia 18 de maio de 2020, operação
realizada pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, através da
Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e Polícia Federal, no Complexo do
Salgueiro, situado no Município de São Gonçalo provocou a morte do adolescente
João Pedro Matos Pinto, 14 anos. Após ter sido atingido por disparo de arma de
fogo e levado no helicóptero da Polícia, sem que a família fosse informada
sobre o local para onde estaria sendo levada a vítima, o corpo foi localizado
no IML apenas no dia seguinte.
Algumas crianças e adolescentes vítimas
de homicídios de que tiveram muita repercussão no Estado, causadas por
operações policiais, além do João Pedro:
- Ágatha
Vitória, no Complexo do Alemão, em 20 de setembro de 2019;
- Marcos
Vinicius, de 14 anos, vítima de homicídio na Maré em 20 de junho de 2018;
- Benjamin,
de apenas 1 ano e 7 meses, no Complexo do Alemão em 16 de março de 2018,
quando estava num carrinho de bebê, acompanhado da mãe e da irmã de 5
anos;
- Maria
Eduarda, 13 anos, no pátio do colégio onde estudava em Acari, em 31 de
março de 2017;
- Roberto
de Souza Penha, Carlos Eduardo de Souza, Cleiton Correa de Souza, Wilton
Esteves, Wesley Castro Rodrigues, vítimas da Chacina de Costa Barros, em
28 de novembro de 2015;
- Eduardo
de Jesus, 10 anos, assassinado na porta de casa no Complexo do Alemão em
abril de 2015.
A prioridade absoluta consagrada pelo
artigo 227 da Constituição de 88, que representou marco normativo da mudança de
paradigma da situação irregular para a proteção integral, coloca o Brasil na
vanguarda da América Latina para adoção da doutrina da Proteção Integral das
Nações Unidas, determinando que é dever da família, da sociedade e do Estado,
assegurar, com prioridade absoluta, os direitos de crianças, adolescentes e
jovens, em especial e primeiro, o direito à vida.
A Lei 8.069/90, que completou 30 anos,
ao regulamentar os artigos 227 e 228 da Constituição da República, dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo o respeito aos direitos
fundamentais de forma prioritária quando se trata de crianças e adolescentes,
com as respectivas políticas públicas de proteção integral, bem como
procedimento de responsabilização pertinente.
Ninguém é capaz de imaginar uma conduta
destas em qualquer região do Estado do Rio de Janeiro ou do Brasil, o que tem
sido banalizado quando se trata de favelas e periferias, revelando desrespeito
ao princípio da não discriminação, consagrado na Convenção sobre Direitos da
Criança da ONU, aprovada em assembleia de 20 de novembro de 1989 e ratificada
pelo Brasil em 1990.
Importante reafirmar que cada vida
importa, destacar que vidas negras importam porque tem sido a população negra
vítima de verdadeiro genocídio, e que essas vidas devem ser preservadas, seja
nos locais mais valorizados da cidade em razão do poder econômico, seja nas
favelas, vielas, em casa ou na rua, na escola, fora ou a caminho dela, devendo
a vida de qualquer pessoa e, com prioridade absoluta, crianças, adolescentes e
jovens, merecer o respeito que se fundamenta na Constituição de 88, além da
normativa nacional e internacional.
É de causar perplexidade e indignação
que tantas crianças e adolescentes continuem tendo a vida interrompida por ação
de agentes das forças de segurança pública, uma violação muito grave para ser
banalizada em estatística.
Chegando ao final desse triste ano de
2020, com a pandemia levando a tantas mortes, ainda nos deparamos, para nossa
perplexidade, com os homicídios das crianças Emily Victória da Silva Moreira e
Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos, de 4 e 7 anos, no dia 04 de dezembro, na
porta da casa onde moravam e estavam brincando, em Gramacho, Duque de Caxias.
Emily completaria 5 anos dia 23 de dezembro e usaria a fantasia de Moana na sua
festa, que estava sendo preparada com simplicidade e carinho pela família. Foi
enterrada com a roupa que usaria na festa.
Não é possível que a política de Estado
na área da segurança pública continue a interromper a vida e os sonhos de
crianças e adolescentes, privando-as de direito fundamental que o Brasil se
comprometeu a respeitar com prioridade absoluta, conforme artigo 227 da
Constituição de 1988.
Por ocasião da XI Conferência Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente foi apresentada moção de repúdio aos
homicídios de crianças e adolescentes, destacando a grande letalidade provocada
por ações de agentes do Estado, fazendo apelo público para revisão da política
estadual de segurança pública visando à preservação das vidas, especialmente de
crianças e adolescentes, no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro.
A presente nota se destina a reafirmar
o compromisso do CEDCA com a defesa intransigente dos direitos de crianças e
adolescentes e especialmente o direito à vida, que vem sendo negado a muitas
delas que residem nas favelas e periferias, violando ainda o direito à não
discriminação, considerando que a atuação das forças de segurança são
direcionadas a determinados locais, onde o Estado Democrático de Direito parece
ainda não ter sido efetivado, e menos ainda a prioridade absoluta no respeito a
direitos de crianças, adolescentes e jovens, compromisso assumido pela
Constituição da República de 1988 no seu artigo 227.
É necessário e urgente a efetivação dos
direitos de crianças e adolescentes na vida de cada uma delas, mais do que a
declaração solene de que são sujeitos de direito e têm prioridade absoluta no
respeito aos direitos fundamentais, ou continuaremos a lamentar, manifestar
solidariedade à família, como fez recentemente o governo do Estado, sem que
essas atitudes resultem mudança na atuação da segurança pública.
Rio de janeiro, 16 de dezembro de 2020.
Carlos André Moreira dos Santos
Presidente do CEDCA/RJ