A verticalização de Mauricio de Sousa
Por Paulo Ramos, professor do Departamento de Letras da Universidade
Federal de São Paulo
CARTA CAPITAL
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil tem ajudado a
compreender melhor o perfil do leitor. O estudo, no entanto, contém alguns
pontos a serem elucidados. Um deles é entender a presença de Mauricio de Sousa
na porta que dá acesso ao mundo das letras. Mais vendido autor de histórias em
quadrinhos do País, ele aparece com destaque no estudo, organizado pelo
Instituto Pró-Livro. Um dos motivos disso pode estar atrelado à conquista de
leitores mais velhos para os personagens da Turma da Mônica.
Na segunda edição da pesquisa, divulgada em 2008, o
desenhista e empresário apareceu como o décimo autor mais admirado. Na terceira
e mais recente edição do levantamento, apresentado em 2012, ele passou para a
sexta posição, ficando à frente de escritores importantes, como José de Alencar
(sétima posição) e Vinicius de Moraes (oitava).
Uma das interpretações que se pode fazer é que os quadrinhos
de Mauricio de Sousa despontam como uma das leituras mais destacadas pelos
brasileiros. O dado torna-se ainda mais expressivo se observarmos que o contato
com revistas – caso das publicações da Turma da Mônica – não havia sido
incluído no perfil de leitor da pesquisa. O levantamento definiu como leitor
“aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três
meses”.
Muitos dos 5.012 entrevistados, ao se lembrarem do pai de
Mônica e Cebolinha, sinalizaram claramente que os quadrinhos também estavam no
seu escopo de interesses, dado que consta, inclusive, na própria pesquisa (46%
disseram ler quadrinhos frequentemente). O que o estudo não explica é por quê.
Uma possível resposta pode estar na verticalização dos leitores de Mauricio de
Sousa, criador que, por décadas, voltou-se apenas para o público infantil. Nos
últimos anos, a empresa do autor tem procurado criar produtos para atingir
outras faixas etárias também.
O primeiro projeto com essa finalidade foi a revista Turma
da Mônica Jovem, lançada em agosto de 2008 e publicada mensalmente a partir
daí. A proposta era mostrar versões adolescentes de Mônica, Cebolinha e
companhia. As histórias procuram dialogar com um leitor juvenil e adolescente,
público distinto das contrapartes infantis dos personagens – que, não custa
registrar, continuaram a ser produzidas.
A estratégia é buscar uma fatia do mercado dos mangás, nome
dado aos quadrinhos japoneses e febre no Brasil há cerca de uma década. Não por
acaso, Mauricio de Sousa produziu a revista num formato um pouco maior e
estampou ao lado do título a expressão “em estilo mangá”. Aos jornaleiros e
leitores, o recado era para que a obra fosse exposta próxima às produções
japonesas, estrategicamente distante das prateleiras infantis.
Os números de Turma da Mônica Jovem são expressivos. Segundo
a empresa do desenhista, as tiragens mensais ficam em torno de 300 mil a 400
mil exemplares. Numa comparação, é mais do que vendem hoje as revistas dos
principais super-heróis americanos. Em setembro deste ano, foi lançado outro
título com proposta semelhante: Chico Bento Moço. Na nova série, o
protagonista, já adolescente, muda-se para a cidade grande para se tornar
engenheiro agrônomo.
Um segundo projeto de verticalização de seus leitores foi
inaugurado nos meses finais de 2012. Mauricio de Sousa lançou uma coleção de
obras destinada a quem está no fim da adolescência ou já na fase adulta.
Batizada de Graphic MSP (iniciais da Mauricio de Sousa Produções), a coleção
mostra os personagens do desenhista em histórias produzidas e assinadas por
outros quadrinistas.
O primeiro trabalho foi feito por Danilo Beyruth, que criou
uma versão mais intimista e realista de Astronauta. Com o subtítulo Magnetar, a
obra ganhou três troféus HQMix, principal premiação de quadrinhos do Brasil
(nas categorias desenhista nacional, edição especial nacional e projeto
editorial).
Neste ano, os leitores tiveram contato com mais três títulos
da série. Turma da Mônica – Laços, criada pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi,
mostra a união dos personagens para enfrentar os obstáculos que surgem na busca
do cachorro de Cebolinha (o bichinho de estimação, Floquinho, havia
desaparecido). Chico Bento – Pavor Espaciar foi criado por Gustavo Duarte. Em
tom cômico, a história mostra o personagem-título abduzido por extraterrestres.
Neste fim de ano, a empresa começa a vender o quarto título, criado por Shiko:
Piteco – Ingá.
Observando todos esses lançamentos, percebe-se que há uma
clara intenção de Mauricio de Sousa de atingir também os leitores adolescentes
e adultos. Até agora, com bons resultados. A ampliação de seu rol de leitores,
até então quase exclusivamente infantil, pode ser uma possível resposta para o
fato de ele ter migrado da décima para a sexta posição na Retratos da Leitura
no Brasil. A pesquisa precisa atentar para esse fato e propor maior
detalhamento de quais quadrinhos são lidos no Brasil. Entende-se que seja uma
relevante porta de entrada para a leitura, embora ainda não dimensionada com
exatidão.